O medo

No poema pouco original do medo encontro talvez o verso mais importante de todos os que li. Para mim nada se compara à constatação de pensar (como O´Neill) no que o medo vai ter e ter medo que é justamente o que o medo quer. Na biografia agora lançada aparece uma transcrição da última crónica de O´Neill no JL. Não me parece casuístico que seja sobre o medo assim como não me parece original verificar que é um texto quase tão bom como o verso: "E perguntai: o que é na realidade o medo, essa aventesma que enrola e aperta os seus dedos em torno da nossa garganta? Nada que se possa sopesar. É o imaginado antes do vivido, é o sonhado antes do acontecido. O medo, depois de nos pôr a fugir, paralisa-nos. É esta a vitória do medo: criar paraplégicos trementes. E de paraplégicos trementes é feita boa parte de nós. Nos transportes públicos, nas repartições, que vemos nós todos os dias? Paraplégicos trementes a entreabençoaream-se por entre resmas de papel selado, seus burladeros. Manoletinas de salão, fazemos na perfeição. Quando passamos para a arena, pernas p´ra que vos queremos? Será melhor não sermos tão enfáticos, tão opiniosos. Todos temos medo? Claro. Até o infligimos. Agora há uns que sabem que o medo desdobra um vento bastante mais alevantado que ele. Vamos deixar de ter medo?"