quarta-feira, fevereiro 14, 2007

O rumor

Li de uma penada as 300 e tal páginas da excelente biografia do O´Neill. Além das particularidades pessoais (O´Neill viveu na minha rua e na do Medeiros Ferreira, frequentava restaurantes e cafés como a Cister, a Alsaciana e a Lira de Ouro ou amigos comuns como o Fernando Matos Silva), o livro pareceu-me excelente. Fiquei particularmente tocado com a explicação entre a arte e o quotidiano que transcrevo: "Na inspiração guedelha-ao-vento e soltura não acredito. Só para filmes e biografias romanceadas. A disposição irresistível para escrever, o rumor anterior ao ritmo, podem chamar-se momentos de inspiração, mas só a atenção contínua ao rumor, o abrir o ouvido para dentro, leva pouco a pouco ao ritmo e do ritmo ao verso. Tal atenção contínua é em mim absolutamente involutária. Posso cortá-la quando quiser ou, já treinado, adiá-la para momentos de lazer. Acontece, por vezes, que a mulher do poeta acha que são horas de jantar ou, súbita e carinhosamente, que o poeta está mais magro ou que "já há três semanas, querido, que não vamos ao cinema" ou que "estou hoje tão mal disposta" e então o rumor vai-se por água abaixo e a atenção contínua é repentinamente "desiludida", fica sem motivo. O poeta passa então a um estado de fúria que o torna incivil e absolutamente impróprio para circulação urbana. É que a mulher do poeta, não ouvindo o rumor, pensava talvez que ele escrevesse à base de ideias e, portanto, que era tão digno de atenção como qualquer vulgar ensaísta...Este é, quanto a mim, o carácter peculiar da inspiração poética". Talvez por coincidência - as associações são sempre divertidas - começei a ler, ainda ontem, o (excelente) livro Sou Todo Ouvidos, uma recolha de textos do jornalista americano Joseph Mitchell. Não traria o segundo livro à baila se não tivesse descoberto que o título original do livro dá pelo nome "My ears are bent". Parece-me uma magnífica tradução do poético "abrir o ouvido para dentro". Será esta, mais do que a marca dos poetas, a marca dos génios?

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Um belo poema de o Nilinho
Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

2:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Lindo lindo este poema do Nilinho

http://mulheresforadehoras.blogs.sapo.pt/

2:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mais um poema do Nilinho

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.



http://mulheresforadehoras.blogs.sapo.pt/

2:51 da tarde  

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