terça-feira, março 14, 2006

Pró-vida

No seu último artigo para o Sunday-Times, Andrew Sullivan discute o tema do aborto nos EUA. Com dois novos juízes conservadores nomeados para o Supremo, há quem tema que a decisão que uniformizou uma legislação liberal pró-aborto em todos os EUA (Roe Vs Wade) possa rer revogada, abrindo caminho para a alteração das leis que protegem constitucionalmente o direito de escolha.
Mas o verdadeiro problema que se coloca agora é outro: o estado do Dakota do Sul aproveitou o direito de cada Estado legislar como entende para fazer aprovar uma lei que preenche "todas as ambições o movimento pró-vida".
A nova lei "criminaliza todos os abortos em qualquer estado da concepção. Não há excepções para os casos de violação, incesto ou perigo de saúde para a mãe. Mesmo quando a vida da mãe está em perigo, a lei obriga ´que sejam feitos esforços médicos para preservar a vida da mãe e do bébé por nascer´. A sanção são cinco anos de cadeia". O problema é que a decisão do Dakota (que considera idêntico "assassinar um óvulo fecundado ou uma criança de dez anos") está a criar grandes dificuldades ao Partido Republicano que sustentou as suas vitórias eleitorais nos evangélicos - que gostam desta lei - mas que arrisca afugentar todo o seu eleitorado moderado.
Um risco que é bem real. Basta dizer que os americanos terão agora de discutir "se um médico pode ser acusado de homicídio" ou "se a mãe também deve ser acusada do mesmo crime". O debate sobre causas que podem justificar o aborto (violação ou incesto) também terá de ser feito se estas regras contaminarem outros Estados.
A conclusão é simples: "os movimentos pró-vida alcançaram uma vitória com a qual não conseguem lidar". Podem ter feito passar a nova legislação mas não sabem arcar com as suas consequências. É o dilema da hipocrisia.

1 Comments:

Blogger Gabriel Silva said...

Não vou entrar a discutir a questão do aborto e quejandos.
Apenas um apontamento sobre o sistema e a prática jurídica dos EUA.

Durante uns anos foi proibida a pena de morte nos EUA, por uma lei federal.
Tal proibição foi levantada nos anos 70, não por uma questão ideológica ou de princípio, mas pelo entendimento que tal assunto não deveria ser da competência da União federal mas sim de cada Estado. Assim sucede: nuns estados é admitida, noutros, (infelzimente, poucos), não.

Recentemente (dezembro, julgo), o mesmo principio foi definido num caso que opôs o governo federal a um Estado que tinha legislado, legalizando em certas condições, a eutanásia assistida, consagrando o Supremo Tribunal que caberá, em tal assunto a cada Estado legislar no sentido que entenda, não tendo a federação competência para tal.

Ora, desde logo se viu que esse entendimento (assumido independentemente da nomeação de juízes conservadores, «bushistas», pró-vida ou não), que mais cedo ou mais tarde a questão do principio consagrado no caso «Roe Vs Wade» seria posto em causa. Não necessáriamente por uma questão de ser contra ou a favor, mas mais uma vez, pela interpretação do principio da subsidariedade (e mesmo da soberania) de que tais matérias caberão a cada Estado e não a decisões federais.

Pode-se alegar que será uma estranha «coincidência» tal questão ser levantada, precisamente agora. Mas, na minha maneira de ver, não é disso que se trata, mas sim, do velho principio, muito saudável e americano, de que o Estado central apenas deverá ter os poderes necessários às suas funções bem delimitadas e que em tudo mais, o poder reside nos estados federados e nas suas comunidades. Afinal, onde reside o poder. Senão veja-se que os 3 tipos de decisão (pena de morte, eutanásia, aborto) tem posicionamentos antagónicos. Se por uma lado a Adm. gostaria de proibir a eutanásia, também gostaria de proibir o aborto, mas permtir a pena de morte. Por outro lado, os defensores da abolição da pena de morte, em muitos casos são favoráveis ao aborto e eutanásia.

Concluo que o principio da competência do estados é positivo, independenemente da posição que se tenha, pois não permite que nenhum grupo em especial imponha legislação a todos os demais, possiblitando aos cidadãos pressionar no seu Estado no sentido desejado em cada assunto (o que seria mais dificil, mais lento e mais caro, a nível federal) e mesmo deixando a possiblidade de mudar de Estado.

3:25 da tarde  

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