Lar da Criança

Lembro-me como se fosse hoje. Eu a entrar na escola sem choros porque os homens não choram. Depois foram quatro anos cheios de educação, amor e justiça. E não, aquilo não era uma escola de betinhos, era uma escola de gente boa. Lembro-me da cartilha, da festa de Natal em que se dançou a marcha escocesa. Lembro-me de pintar o autocarro e da franja da Mila, a minha professora da terceira classe. Também me lembro do senhor Abel ("Sr Condutor ponha o pé no acelerador, se chocar não faz mal, a gente leva-o ao hospital") e do João, que não tinha pernas, mas fazia aulas de natação connosco. Lembro-me da Maria Martinez, a minha única e primeira paixão, e da Ana que tinha trissomia e tirou um curso superior. Lembro-me do Janeca (o chefe da 4-A), da Maria Fernanda, que me ensinou a ler na cartilha, da Melinha e da Lena. Lembro-me ainda da mais famosa e pedagógica frase jamais inventada na língua portuguesa: "Se te portas mal...vais à Bertinha".
A Bertinha é a directora (desculpa, Rita, mas a Bertinha será sempre a directora) do Externato Lar da Criança. Ontem, num jantar cheio no parque das Nações, comemoraram-se 55 anos do colégio. Estavam lá os ex-alunos. E estava a Bertinha. Cumprimentá-la é uma tarefa para gente mais dura que eu. A gente chega, fala alto o nome e ela reconhece-nos. Está sem vista. Continua a ouvir com o coração...