Maitê e Rubem

Tenho ideia que já elogiei aqui o livro Entre Ossos e a Escrita que reúne as crónicas publicadas por Maitê Proença na revista Época. O mínimo que posso dizer é que um livro tem uma qualidade inversamente proporcional à sua capa. Ou seja, o corpo é óptimo, a cara é horrenda. O livro também serve de manual de instruções a esse bicho estranho a que se convencionou chamar mulher. Contraditoriamente, o que me traz aqui é outro bicho de psicologia profunda. O escritor brasileiro Rubem Fonseca, no livro Pequenas Criaturas, ficciona a história de um homem que anota num caderninho todas as mulheres com quem dorme, dando-lhe classificações. Confrontado com uma mulher que ainda não cedeu carnalmente aos seus encantos ao quarto dia (o ideal, segundo Rubem, é ao segundo), o homem pede-lhe um último encontro no apartamento. Ela parece irredutível. A situação ainda piora mais quando a beldade encontra um livro em cima da mesa e percebe que nele estão as classificações dadas pelo homem às mulheres que por ele passaram.
O homem insiste que ela leia as notas de rodapé sobre os 5 nomes na lista: "Marta, gosta de gatos e de assistir ao pôr do sol. Sílvia, preocupa-se com ecologia. Luíza, adora o lirismo de Florbela Espanca. Renata, canta as músicas de Cole Porter melhor do que ninguém. Lourdes, tem uma linda colecção de orquídeas". A mulher sente-se encantada por ele ser tão profundo e por ter dormido com tão poucas mulheres. Nessa noite têm sexo. Quando ela sai, no dia seguinte pela manhã, o homem arruma o seu caderninho numa gaveta trancada e retira outro. O verdadeiro. Com a sua melhor caligrafia, escreve: "Andressa. Chupa. Anal. Celulite. Não sabe quem é Florbela Espanca".