domingo, dezembro 04, 2005

Anónimos (a propósito do dia mundial da SIDA)

Tenho 32 anos. Ou seja, sou da geração que apanhou com o virús na cara. Não sou daqueles que pode dizer "coitadinho de tal, tem SIDA". Sou dos que dizem "tenho sorte, não me calhou". E lembro-me como se fosse hoje de uma conversa na Praça das Flores: "O Variações morreu. Tinha uma doença que apanhou por causa de umas tintas para o cabelo". Os anos passaram e eu já sei muito bem o que são as tintas para o cabelo. E também sei muito bem o que é uma contagem de CD-4, os anti-retrovirais, o AZT, os inibidores de protease, a carga viral e o diabo a quatro. E sei o que é ir ao Curry Cabral ou ao Egas Moniz e entrar nas unidades infecto-contagiosas. E também sei o que é ver os fantasmas - quando não são os nossos amigos são sempre fantasmas - a lutar contra si próprios. Contra o medo. Sim, esse que vai ter tudo. Pois é, para mim a SIDA não é um estranho. É a cara do F, do J, da M, do N... A bem dizer, é a cara do abecedário quase todo. E pergunto: porque é que depois de tantos anos continuo a escondê-los atrás de iniciais? E porque é que depois de tantos anos muitos continuam a achar que eles não passam de iniciais?

1 Comments:

Blogger agent said...

Excelente!

12:04 da manhã  

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