Dona Lucília
Por uma extraordinária conjugação de factores dá-se o caso de eu ter duas mães. A minha, propriamente dita e insubstituível, conhecida nos meios sociais pela graça de Graça Lucena, e a outra, propriamente dita e insubstituível, apesar de eu não passar de um adoptado, que se chama dona Lucília.
A dona Lucília vive lá em casa (até recebe um ordenado e tudo) há mais tempo do que eu me lembro. Era ela que me atacava os cordões para ir para a escola, limpava-me o ranho do nariz e fazia-me chá de limão quando eu estava constipado. A D. Lucília, que tem uma alma boa e generosa, viu-me crescer. O que não deve ter sido fácil para ela, uma vez que, em vez de fazer almoço para um, passou a fazer almoço para todos os amigos que eu tinha (lá em casa almoçava muita gente).
O tempo passou. Quando estive doente (uma doença de alma potencialmente fatal), eu sei que ela sofreu. Afinal, eu continuava a ser aquele miúdo de seis anos - aquele a quem uma vez uma senhora na praia disse "olha que giro, um pretinho loiro". Como já estou a fugir para os lados, basta dizer que quando me passou a doença e eu já estava forte e esbelto, ela disse apenas: "menino não faça mais nenhuma destas, se não eu morro".
Já passaram muitos anos e eu até tenho um filho que ela ama tanto como me ama a mim (ou pelo menos quase tanto). A D. Lucília todas as quarta-feiras apanha o autocarro em Caselas e vai, atravessando meia Lisboa, até minha casa no parque das Nações. Arruma-me a casa e deixa-me almoços para toda a semana. Lava-me e seca-me a roupa. Não tinha que o fazer (já se podia até ter reformado, quanto mais andar de um lado para o outro depois de uma vida de trabalho), mas faz e eu não tenho palavras para lhe agradecer. A dona Lucília, esqueci-me de dizer, tem um filho e ficou viúva há mais de 25 anos. Chegou a ter três trabalhos fora e ainda fazia, a sua profissão, costura à noite. Comprou uma casa das boas. Educou o filho tão bem que ele acabou em professor catedrático do Técnico. Ultimamente a dona Lucília até se aburguesou: faz umas viagens extraordinárias através da Europa, que depois conta cheia de gosto e prazer. A Dona Lucília nunca bate com a mão no peito. Não explica nunca o que sofreu na vida. Quando me casar, vai ser a minha madrinha de casamento.
(actualizado)
A dona Lucília vive lá em casa (até recebe um ordenado e tudo) há mais tempo do que eu me lembro. Era ela que me atacava os cordões para ir para a escola, limpava-me o ranho do nariz e fazia-me chá de limão quando eu estava constipado. A D. Lucília, que tem uma alma boa e generosa, viu-me crescer. O que não deve ter sido fácil para ela, uma vez que, em vez de fazer almoço para um, passou a fazer almoço para todos os amigos que eu tinha (lá em casa almoçava muita gente).
O tempo passou. Quando estive doente (uma doença de alma potencialmente fatal), eu sei que ela sofreu. Afinal, eu continuava a ser aquele miúdo de seis anos - aquele a quem uma vez uma senhora na praia disse "olha que giro, um pretinho loiro". Como já estou a fugir para os lados, basta dizer que quando me passou a doença e eu já estava forte e esbelto, ela disse apenas: "menino não faça mais nenhuma destas, se não eu morro".
Já passaram muitos anos e eu até tenho um filho que ela ama tanto como me ama a mim (ou pelo menos quase tanto). A D. Lucília todas as quarta-feiras apanha o autocarro em Caselas e vai, atravessando meia Lisboa, até minha casa no parque das Nações. Arruma-me a casa e deixa-me almoços para toda a semana. Lava-me e seca-me a roupa. Não tinha que o fazer (já se podia até ter reformado, quanto mais andar de um lado para o outro depois de uma vida de trabalho), mas faz e eu não tenho palavras para lhe agradecer. A dona Lucília, esqueci-me de dizer, tem um filho e ficou viúva há mais de 25 anos. Chegou a ter três trabalhos fora e ainda fazia, a sua profissão, costura à noite. Comprou uma casa das boas. Educou o filho tão bem que ele acabou em professor catedrático do Técnico. Ultimamente a dona Lucília até se aburguesou: faz umas viagens extraordinárias através da Europa, que depois conta cheia de gosto e prazer. A Dona Lucília nunca bate com a mão no peito. Não explica nunca o que sofreu na vida. Quando me casar, vai ser a minha madrinha de casamento.
(actualizado)
1 Comments:
Dia said:
Fuck, que se dane o anonimato: este é lindo! (olha que estás a ficar blogger de segunda categoria...)
(a minha amiga mandou um post com link. Eu tirei-lho. Não me arrisco a perder o seu extraordinário blogue)
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