terça-feira, fevereiro 22, 2005

Um dia depois

O PS regressa ao poder, por muitos e bons anos, quase sem saber ler ou escrever. Sócrates não é um grande político. Não é particularmente culto. Nem fulgurante. Longe de ser brilhante. Não é um poço de virtudes. Não está bem rodeado de amigos políticos. Mais que usar um teleponto, parece por vezes ser ele próprio um teleponto.
Mas, dito isto, tem, por paradoxal que pareça, condições para ser um bom primeiro-ministro: uma maioria que o pode libertar de pagar favores e fidelidades políticas e de com isso conseguir escolher um bom governo; um horizonte de quatro anos limpos para governar; a autoridade de quem conseguiu o score que conseguiu; uma obstinação e determinação que podem ser necessárias numa governação que pode ter de cortar a direito e não ceder a torto e a direito; e não vai seguramente ter quatro anos de estado de graça que fizeram adormecer Guterres entre 95 e 99.

O Bloco de Esquerda atingiu provavelmente nestas eleições o seu Princípio de Peter, a partir do qual se comprovará a incompetência para a função, e consequente declínio. Teve o melhor resultado que poderia ter: crescer, e muito, e ainda assim manter-se à margem do sistema (governação). Mas isto não dura sempre, e com mais deputados e mais votos lá se vai o sonho de ficar sempre à margem, sempre contra, sempre a poder dizer e propor tudo o que lhe venha à cabeça.
Assistam e desfrutem, porque daqui em diante será sempre a descer.

Em relação ao PCP, disse-se e escreveu-se que se inverteu a tendência de irreversível perda eleitoral. Não concordo, apenas foi interrompida. Houve mais 300 mil votantes (que em 2002). O PS subiu meio milhão de votos. O Bloco teve mais 200 mil votos. O PC sobe 50 mil votos. E fica eufórico?!
É bom lembrar que a única, a única ideia que Jerónimo passou no debate a cinco na RTP (antes das eleições) foi a de travar o vento com as mãos: impedir a entrada dos texteis chineses (isto, um mês depois do agora querido presidente da República ter levado uma centena de empresários nacionais para entrarem nos mercados chineses) na Europa e em Portugal.
Ou, como dizia há poucos minutos a deputada Odete Santos, em debate na RTP, é aumentar-se os salários. E pronto. Um discurso para iletrados, ingénuos ou para aqueles que não queiram pensar.
Jerónimo é uma brisa, sente-se mas passa depressa. O PC já não existe. Agora foi novidade, mas novidade já era para a próxima. Lembrem-se para contarem aos vossos filhos e netos.

Do CDS, vi Paulo Portas, tão criticado e tantas vezes tão justamente criticado, ter a atitude correcta e digna de um líder político que sente ter ficado àquem dos objectivos a que se propôs: demitiu-se no domingo à noite.
Apenas não lhe ficou bem culpar os portugueses por ser este o único país da Europa em que os trotskistas valem quase tanto como os democrata-cristãos. É que a culpa se calhar é mesmo dos democratas-cristãos que por cá temos. Ou Portas acha que é Kohl?

Do PSD (ou melhor, de Santana) pouco a dizer. A pior derrota de sempre (comparar com 76 não conta e os 29 por cento de Cavaco em 1985 levaram os sociais-democratas ao poder). Colocar a odiada tralha guterrista de volta. Conseguir que o país dê um cheque em branco aos socialistas que nem um vale de dez centavos mereciam.
E perante tudo isto, Santana diz que fica. Vêm aí seis meses a um ano (talvez até à vitória de Cavaco nas presidenciais) de balcanização laranja. Voltaram os congressos a sério.
Mas o País e o Parlamento precisam rapidamente de um PSD sério, activo, interveniente e capaz de mobilizar sectores importantes da sociedade portuguesa. Que Rui Rio, Ferreira Leite, Pacheco Pereira ou Aguiar Branco digam e estejam presentes.