Dia de reflexão
Agora que descobri uma fábrica de citações espanhola (uma dívida que tenho para a natureza do mal e que não é pagável porque as dívidas literárias não têm preço), apetece-me escrever sobre aquilo que senti tantas vezes (o JPH tem razão, aqui na blogoesfera escreve-se sobre tudo, até sobre a merda que se põe na maçaneta das portas) quando viajava por aí. Quando "navegava sem rumo apesar da bússola", a forma como um graffiti de ocasião se decidiu gravar nas paredes da Penitenciária de Lisboa.
Estou a falar daquele sentimento de nómada: o de que se "tornava impossível estabelecer qualquer tipo de relação com os habitantes dessas cidades, que me limitava a olhar como se olha no anúncio de um jornal estrangeiro lido em casa a promessa de um espectáculo". E da exasperação de "não poder confundir-me com a população local para lá do puramente físico e acessório (partilhar o seu espaço, ou no máximo roçar pelas pessoas nos transportes públicos), não poder participar nos negócios e canseiras que tinham entre mãos diante dos meus próprios olhos". No fundo, "irritava-me não ser um deles; irritava-me não poder partilhar as suas almas. Até o vestíbulo do hotel, por definição carregado de forasteiros, de gente - como eu- de passagem, me produzia infinito desassossego e inveja: todos, mesmo os que estavam visivelmente a esperar, a descansar ou a fazer tempo; dão a impressão de saber tão bem o que pretendem, todos parecem tão atarefados, tão decididos, tão prestes a encaminharem-se para algum lugar cuja a existência adquire sentido por estar à espera deles, tão absortos nas suas actividades presentes ou iminentes ou sonhadas ou projectadas, que a consciência das minhas horas mortas deprimia-me imenso(...)". Escusado será dizer que esse viajante (independentemente dos lugares, das cidades, dos hoteis, das pessoas, das raízes) era (a todas as horas, todos os minutos, todos os segundos) eu próprio. E que quando o Joaquim nasceu, cheguei, finalmente, a casa.
Citações roubadas ao livro "O Homem Sentimental", de Javier Marías.
Estou a falar daquele sentimento de nómada: o de que se "tornava impossível estabelecer qualquer tipo de relação com os habitantes dessas cidades, que me limitava a olhar como se olha no anúncio de um jornal estrangeiro lido em casa a promessa de um espectáculo". E da exasperação de "não poder confundir-me com a população local para lá do puramente físico e acessório (partilhar o seu espaço, ou no máximo roçar pelas pessoas nos transportes públicos), não poder participar nos negócios e canseiras que tinham entre mãos diante dos meus próprios olhos". No fundo, "irritava-me não ser um deles; irritava-me não poder partilhar as suas almas. Até o vestíbulo do hotel, por definição carregado de forasteiros, de gente - como eu- de passagem, me produzia infinito desassossego e inveja: todos, mesmo os que estavam visivelmente a esperar, a descansar ou a fazer tempo; dão a impressão de saber tão bem o que pretendem, todos parecem tão atarefados, tão decididos, tão prestes a encaminharem-se para algum lugar cuja a existência adquire sentido por estar à espera deles, tão absortos nas suas actividades presentes ou iminentes ou sonhadas ou projectadas, que a consciência das minhas horas mortas deprimia-me imenso(...)". Escusado será dizer que esse viajante (independentemente dos lugares, das cidades, dos hoteis, das pessoas, das raízes) era (a todas as horas, todos os minutos, todos os segundos) eu próprio. E que quando o Joaquim nasceu, cheguei, finalmente, a casa.
Citações roubadas ao livro "O Homem Sentimental", de Javier Marías.
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