sábado, outubro 09, 2004

Desestabilizador

O Presidente da República que temos está a transformar-se exactamente no oposto daquilo que deveria ser: um factor de instabilidade política e não o principal garante dessa mesma estabilidade política. No meio do pandemónio da actual governação, este dado tende a passar algo despercebido. Mas não é, de todo, de somenos.
Expliquemos: É precisamente em momentos de crise, de incerteza, de dúvida, que o olhar converge para o garante do regular funcionamento das instituições.
Mas o que vemos é preocupante.
Jorge Sampaio aceitou empossar o Governo de Santana Lopes, em Julho, e em minha opinião fez o que devia ter feito. O PSD era o partido mais votado, há uma maioria estável no Parlamento, e Durão Barroso deixou o cargo para ir presidir à Comissão Europeia.
Isto não impede que se diga que a forma como o presidente chegou à decisão foi desastrada: 15 dias de absoluta indefinição; afirmações de que o cargo de Durão era muito honroso para o País mas ainda assim mantendo o suspense. Devia, e podia, ter selado o assunto em menos tempo e, sobretudo, de forma mais clara.
A decisão foi a correcta (mantenho o que pensava então) mas os erros de Belém não pararam desde aí.
Logo na justificação, ao caucionar a política do Governo e a prometer vigilância, recusando tergiversações face aos dois anos anteriores (e só tem havido as tais tergiversações, como se previa).
Nos últimos tempos, publicou no Expresso um longo artigo sobre economia e finanças, como que a descolar do Executivo e a preparar um caminho, de forma a que ninguém esqueça que o poder de dissolução da AR está lá até meados de 2005.
No Dia da Proclamação da República fez saber pelos assessores que novos alertas e críticas ao Governo seriam lançados.
No ‘caso’ Marcelo volta a mostrar que existe e a deixar que se alimente a possibilidade de mandar tudo para eleições.
Vamos a ver: o problema não é dissolver, se entender que é o melhor para o País. O verdadeiro problema é que Sampaio parece querer manter ininterruptamente este clima enquanto puder. Sentir-se no centro da vida política, da decisão, do poder. Ter, no fundo, quem lhe ligue.
Volto pois ao início deste texto. Se o problema é sobretudo saber-se como age este Governo (e muito mais haveria aí a dizer, mas o meu silêncio é também uma forma de falar, já dizia o outro...), não pode por outro lado descurar-se a actuação presidencial. E este, ao alimentar uma dúvida permanente, deixa de ser parte da solução e torna-se parte do problema. Desestabiliza e arrasta para o fundo o que já está frágil. Assim não.