domingo, fevereiro 26, 2006

O maldito do contexto

Imagina, Rui [Adufe], que vais ao cinema. E que levas uma pena de pato com que fazes cócegas na senhora da frente. Ela protesta contigo, mas tu insistes que estás a exercer a tua liberdade. E que nem sequer percebes a falta de humor da senhora, que a pena de pato nem tem gripe das aves, que tu te divertes e qual é o problema?
E, no entanto, uma série de convenções que adoptámos entre nós dizem-nos que tu, por mais graça que aches à coisa, não deves incomodar a vizinha da frente. Ou, por exemplo, deixar tocar o telemóvel no cinema - e há uma data de filmes chatos, sem interesse, contra os quais apetece exercer a nossa liberdade de crítica, in loco, deixando tocar desalmadamente o telemóvel.
Dou-te outro exemplo: há uns miúdos, traquinas na idade de o serem, que andam pelo meu bairro a pichar as paredes. Eles divertem-se e até há quem ache aquilo interessante, criativo, cultural. Como o rádio da minha vizinha, quando desata a debitar músicas parolas. Parolas, sim, por mais que ela dija que são «giras»...
Esta gente, Rui, dá-se liberdades. Eles estão convencidos de que a liberdade é absoluta. Isto para te dizer que acho os cartoons sobre Maomé particularmente inoportunos quando o chamado Ocidente está em cruzada, cultural e política, para demonstrar a sua superioridade àquelas gentes. Inoportunos, gestos inamistosos...
E isto nada tem a ver com o Papa e outras coisas que fazemos entre nós - não me lembro, por exemplo, de algum cartoon ou escrito mais acutilante sobre as imagens de João Paulo II altamente debilitado, em público, nos seus últimos dias de vida. Só vi gente a enaltecer a grandiosidade do gesto. Mas aquilo, sob certos pontos de vista, poderia ter sido classificado de quase pornográfico. E não foi, por ninguém. Por uma mão-cheia de razões com as quais concordo. Porque o contexto e a responsabilidade com que exercemos as nossas liberdades contam.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Peço licença para discordar.
A senhora incomodada pela pena de pato estaria a ser fisicamente e pessoalmente incomodada; há uma pessoa, um indivíduo que vê a sua liberdade de ver um filme em sossego atacada.
Os meninos que picham paredes cometem, penso, uma ilegalidade e degradam património, privado ou público.
A vizinha da música parola não põe, certamente,em questão a liberdade de não ouvir e tem todo o direito de ovir a música que quiser.
Os cartoons serão inoportunos mas não atacam a liberdade de ninguém, não cusam depredações na propriedade de ninguém, não insultam nenhum indivíduo em particular.
Atacam ideologicamente,com sentido de humor duvidoso e propósitos talvez indefensáveis, uma ideologia.
É aí que reside o cerne da questão.
Não concordo com os autores dos cartoons mas defenderei sempre o seu direitode os desenharem.

12:25 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

bla bla bla bla, e nós com a mania de que sabemos somos manipulados e usados, os cartoons são de setembro as reacções espontaneas de 4 meses depois.

12:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mas as reacções não têm que ser espontaneas...
Os cartoons são de Setembro,ok;mas se em Portugal ninguém tinha dado poe eles, porque diabo(salvo seja) teriam os libaneses, os sírios e outros paquistaneses que os ter visto nessa altura?
E quem manipula quem?Os mullahs de Teerão ou os xenófobos de Copenhaga?

5:59 da tarde  

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